23.5.12

É correto calcular as áreas de preservação permanente com base na largura do rio? Mais uma razão para um veto total ao PL aprovado pelo Congresso e para se discutir mais.

Por Ronaldo Weigand Jr.

Como calcular as APPs de beira de rio? (Rio Gajará Mirim,
Rondônia - Foto: Ronaldo Weigand Jr.)
No caso de áreas de preservação permanente (APPs) de beira de rios e cursos d’água, é forte o debate entre ambientalistas e ruralistas quanto à faixa mínima de vegetação nativa que deveria ser mantida pelo proprietário rural. Cinco, quinze, trinta metros? Quanto deveria ser mantido ou recuperado? Os rios mais largos deveriam ter faixas maiores? Parece óbvio que sim, não? 

Mas vamos questionar o óbvio? Por que os rios maiores deveriam ter faixas de vegetação nativa maiores? Todas as faixas de vegetação nativa têm o mesmo efeito?
Fala-se muito em ouvir a ciência neste debate, mas a ciência está devendo à sociedade brasileira uma contribuição verdadeira. 

Para que servem as APPs de beira de rios? Além de manter a cobertura vegetal, que no atacado (área total de florestas) é um interesse subjacente dos ambientalistas, as APPs de beira de rios servem para uma série de funções socioeconômicas e ecológicas, como por exemplo: 
  • Reduzir a erosão das margens dos rios causada pelas suas águas, reduzindo assim seu assoreamento e danos a terras e construções. 
  • Proteger os rios contra o assoreamento e poluição oriundos das áreas vizinhas ocupadas com atividades agropecuárias e ocupação urbana. 
  • Aumentar a infiltração de água nos terrenos vizinhos e garantir uma estabilidade maior do fluxo de água no rio. 
  • Permitir a conservação das espécies e o fluxo gênico, formando corredores entre áreas preservadas. 
Para cada uma dessas funções, a largura do rio não é o melhor parâmetro para definição da largura da faixa de APP. 

Para reduzir a erosão das margens pelas águas dos rios, deve-se tomar em conta o volume e a velocidade das águas, a incidência de cheias violentas e tipo de solo nas margens. Considerando-se somente esta função, rios mais largos só precisam de APPs mais largas quando causam alagamento sazonal. Porém, o novo parâmetro determinado pelo Congresso será a calha normal do rio, o que é insuficiente. Em vez disso, e em vez de se considerar o nível máximo histórico, seria bastante razoável considerar-se o nível máximo sazonal médio. Seria melhor ter como APP pelo menos toda a área sazonalmente alagada. Porém, não há critério de largura a partir da calha do rio que abranja isso de forma eficiente. Assim, teria que ser um critério de cota (altitude) em relação ao nível máximo sazonalmente alcançado pelo rio, ou uma distância suficiente do nível máximo sazonal médio (que poderia ser 15 ou 30 metros, por exemplo, faltando opinião técnica). Este critério protegeria as pessoas contra a ocupação de áreas sazonalmente alagadas e preservaria as áreas úmidas. 

E quanto aos critérios de velocidade das águas , incidência de cheias e tipo de solos nas margens? Poderiam ser considerados se for avaliado que a faixa mínima de APP fosse insuficiente para os rios mais rápidos ou solos mais frágeis, mas a lei deve buscar a simplicidade e o critério de cota já pode ser um bom desafio. 

Bem, mas a discussão acima refere-se somente à proteção contra erosão a ser causada pelos rios, e de quebra, ainda trata da proteção de áreas úmidas. Mas quando a função é proteger os rios contra o assoreamento e poluição oriundos das áreas ocupadas com atividades agropecuárias e ocupação urbana, o critério de largura do rio tampouco é eficiente. Neste caso, não importa a largura do rio, mas sim o tipo de ocupação nas margens (culturas anuais, pastagens e com cultivo mecânico frequente deveriam ser isoladas dos rios por APPs maiores), a declividade das áreas próximas ao rio (quanto maior, mais larga deveria ser a APP), a suscetibilidade do solo à erosão (solos mais suscetíveis deveriam ter APPs maiores), a incidência de enxurradas (quanto maior, mais larga deveria ser a APP) e a área drenada para o rio (quanto maior, maior deveria ser a APP). 

A lei, para ser aplicada, deve ser prática, para isso, devemos usar critérios mais visíveis deixando margens de segurança para os critérios menos aplicáveis. Dessa forma, a largura mínima da APP deveria ser estabelecida a partir do nível máximo sazonalmente alcançado (medido pelo critério de cota, acima), e aumentar de acordo com a declividade da margem e o bioma (como substituto para o critério incidência de enxurrada). Por exemplo, poder-se-ia adicionar, de acordo com a declividade, 0,5 m para cada 1 % declividade até 100%, e multiplicar essas faixas adicionais por 1, se a faixa contígua for de florestas plantadas ou culturas perenes sem cultivo mecânico, ou 2, se a faixa contígua for de pastagens, culturas anuais, ou culturas perenes com cultivo mecânico. Ainda, poder-se-ia multiplicar essas faixas adicionais, compostas, por 1, se a APP estiver na Caatinga, 2, se a APP estiver na Mata Atlântica, no Pantanal, no Pampa ou na Amazônia, ou 3, se a APP estiver no Cerrado. Esses parâmetros deveriam ser calibrados e refinados, mas servem para passar a ideia. 

Quando a função é aumentar a infiltração de água e garantir uma estabilidade maior do fluxo de água no rio, a largura do rio tampouco é um bom parâmetro para cálculo da APP. Neste caso, rios e cursos d’água mais estreitos deveriam ter maior proteção, por desempenharem um papel mais importante na captação de água. Em vez de serem dispensados de proteção, como propõe o PL aprovado recentemente no Congresso, os rios menores deveriam ter proteção maior. Poder-se-ia multiplicar a faixa adicional composta (acima) por 1, no caso de rios maiores que 10 metros, 2, no caso de rios entre 5 e 10 metros, 3, no caso de rios menores que 5 metros (valores ilustrativos) 

Por fim, para permitir a conservação das espécies e o fluxo gênico, formando corredores entre áreas preservadas, a largura da APP não deveria ser estabelecida pela largura do rio, e sim pelo tipo de vegetação nativa que deve compor a APP. Florestas deveriam ser mais largas que tipos mais abertos de vegetação, pois são ambientes fechados, e sua flora e fauna pode ser afetada negativamente pela incidência de luz solar e ar mais seco dos ambientes vizinhos. Qual deveria ser a largura mínima? Se não houver adição de área à faixa mínima pela aplicação dos critérios acima, poder-se-ia adicionar à faixa mínima pelo menos 10 metros se a vegetação nativa a compor a APP for floresta. 

Claro que a aplicação desses critérios poderia virar de cabeça para baixo a forma como vemos APPs de beira de cursos d’água. Não tenho uma avaliação quantitativa do total de APPs resultantes, mas imagino que poderiam até mesmo aumentar de área ao mesmo tempo em que fariam a proteção mais racional. Você pode até discordar desses novos critérios, mas olhar desse jeito bem diferente não faz você pensar que não se discutiu o suficiente para realizar as mudanças do código florestal? Como vetar somente parcialmente o PL aprovado no Congresso e ao mesmo tempo dar tempo para novas discussões? #vetatudodilma

PS: Dependendo do veto da presidente Dilma, podemos aprofundar a discussão dos critérios para outros tipos de APPs.

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